Da Tribuna da Imprensa
A Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados aprovou no dia 20/11/2008 o parecer e o Substitutivo do Deputado Sandro Mabel (PR/GO), a respeito da PEC da Reforma Tributária, que tem o objetivo de alterar "profundamente" o sistema tributário nacional.
O substitutivo do relator da Comissão Especial deu um tratamento de regulamento, casuísta e semelhante à legislação tributária infraconstitucional, ao invés de apresentar uma estrutura abstrata e geral, como deve ser o texto da Constituição.
O relator, em seu parecer, além de sugerir a aprovação da PEC 233/2008, encaminhada pelo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recomendou a aprovação de mais 09 PEC(s), sobre o mesmo assunto, que tramitavam na Câmara dos Deputados desde 2007, e também acolheu mais de 200 emendas substitutivas apresentadas durante os debates na Comissão.
Daí a prolixidade do texto apresentado, diante de tantos temas polêmicos, dificultando a sua análise e aprovação sem uma ampla discussão com a sociedade civil.
O texto a ser debatido no Plenário da Câmara dos Deputados, por si só conduziria, num processo legislativo verdadeiramente democrático, à necessidade da convocação de uma constituinte específica para examiná-lo, pois sua aprovação implicará uma profunda alteração do Sistema Tributário vigente, passando por cima de normas constitucionais protegidas por cláusula pétrea.
Ademais, será impossível a qualquer congressista analisar o amplo texto, de 182 páginas, com a indispensável profundidade, não sendo, portanto, lídima a sua aprovação imediata, como pretende o Governo Federal.
Pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) encaminhada pelo Governo, bem como pelas alterações aprovadas na referida Comissão Especial, seria criado o Imposto Sobre o Valor Agregado Federal (IVA-F), que teria como hipótese de incidência tributária as operações onerosas com bens e serviços (art. 153, VIII, do substitutivo).
Com efeito, está sendo criada a possibilidade de a União poder cobrar imposto sobre as mesmas operações em que Estados e Municípios já tributam os contribuintes brasileiros, por meio do ICMS e ISS. Desta forma, está sendo ampliada a carga tributária de forma indireta, recaindo o custo da tributação sobre o preço das mercadorias e serviços pagos pelo povo no final da cadeia produtiva, na medida em que o novo imposto integrará a sua base de cálculo (art. 153, VIII, § 6º, IV do texto a ser aprovado), podendo ser cobrado "por dentro", onerando mais ainda a parcela mais pobre e menos assistida pelo Poder Público.
Saliente-se que, nesta hipótese, poderá surgir conflito de competência entre a União, Estados e Municípios, cabendo, então, à lei complementar dirimir tais conflitos (art. 146, I, da Constituição). Porém, a tendência observada ao longo dos anos é de que a União fará prevalecer sua força política diante das demais entidades federadas, uma vez que o Brasil é uma república federativa constituída por um "Estado unitário", onde os outros entes dependem da União, principalmente em conseqüência do endividamento dos Estados e principais municípios, bem como ficam à mercê dos repasses das receitas tributárias (art. 159 da Constituição).
Esta situação revela que o novo IVA-F não corresponde, de forma alguma, ao sonhado imposto sobre valor agregado defendido por grande parcela dos doutrinadores brasileiros, uma vez em que, na forma apresentada na PEC 233 e no substitutivo aprovado na Comissão Especial da Reforma Tributária, há justaposição de impostos com a mesma hipótese de incidência tributária, quando se esperava que o IVA pudesse atender a expectativa dos contribuintes de pagar um único tributo, reduzindo a carga tributária e o
custo da administração fiscal.
Porém, da forma apresentada, ele se constituirá tão somente em mais um imposto, num cenário tributário já complexo, excessivo e oneroso. Além da ampla incidência sobre bens e serviços, o novo imposto possibilitará a extinção das contribuições sociais previstas nos artigos 195, I e IV, destinadas à Seguridade Social (particularmente a COFINS e o PIS) e o salário educação, destinado a garantir o ensino público fundamental das crianças e adolescentes (art. 212, § 2º da Constituição), que serão revogadas pela redação dos artigos 5º e 30, III do Substitutivo aprovado na Comissão de Reforma Tributária.
Com efeito, a criação de um novo imposto sobre o valor adicionado federal - que não vincula a arrecadação de sua receita, ao contrário das taxas e contribuições - atingirá diretamente o combalido sistema de saúde, previdência e assistência social e a educação pública fundamental, que foram assegurados pelo constituinte originário (artigos 194 e 195 da Constituição), por meio da destinação especifica destas contribuições, que se pretende extinguir pela mencionada PEC.
Por mais que sejam repassadas parcelas da arrecadação do "IVA-F" à seguridade social, ao seguro desemprego e ao financiamento da educação fundamental, como consta na redação do art. 159 da PEC, a proposta em debate estará extinguindo uma receita vinculada e destinada especificamente a estas atividades fundamentais à população, que constituem verdadeiros direitos sociais, como definido no artigo 6º da Constituição vigente.
Com efeito, as contribuições sociais, cuja extinção está sendo proposta, foram estabelecidas pelo constituinte originário como forma de garantir o custeio dos direitos sociais previstos no artigo 6º, referentes à educação, à saúde, à previdência social, à proteção à maternidade, à infância, à assistência aos desempregados, "na forma da Constituição", como diz o mencionado artigo.
Ou seja, as contribuições que a Reforma Tributária pretende abolir estão relacionadas a garantias individuais, nas quais se incluem os direitos sociais, sendo, portanto, cláusula pétrea, que não se submete a proposta de emenda constitucional, nos termos do artigo 60, IV, da Constituição.
Em razão disso, não se pode, em hipótese alguma, extinguir estas importantes contribuições sociais, sob o risco de penalizar a combalida seguridade social destinada à classe trabalhadora, aos idosos, aos doentes e às crianças.
Como dito, o caput do art. 195 da Constituição Federal prevê que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, residindo nisto o espírito de solidariedade, um dos objetivos e princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme o art. 3º da Carta Política.
Recordemos que, quando a Emenda Constitucional 42, de 2003, estabeleceu a cobrança da parcela previdenciária dos servidores inativos, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº. 3.105/DF, utilizou o princípio da solidariedade como fundamento para exigir o pagamento da referida contribuição.
Por meio do projeto de emenda constitucional em questão verifica-se um paradoxo, pois quando se trata de cobrar dos trabalhadores, estes são chamados a contribuir solidariamente com toda a sociedade, aí incluídos os patrões. Porém, em sentido inverso, o mesmo princípio não é aplicado, uma vez que as contribuições patronais e que recaem sobre a folha de pagamento estão sendo extintas, o que revela o grau de desigualdade existente no sistema tributário nacional.
Como revelou o sítio eletrônico Consultor Jurídico, de 24/11/2008, com a aprovação do parecer da Comissão Especial da Reforma Tributária, se for aprovada a proposta de alteração da contribuição sobre a folha de pagamento, "o INSS perderá R$ 4 bilhões ao ano." Isto é um duro ataque a um direito social que, repito, não pode ser alterado por meio de emenda à constituição. Fica evidente que a PEC, por meio de uma reforma tributária, tenta abolir direitos sociais, atingindo receitas destinadas à aposentadoria.
Portanto, os empregadores não podem ficar desonerados do pagamento da aludida contribuição social, na medida em que estão sujeitos à regra da universalidade do custeio do sistema previdenciário. Fazer recair o custeio apenas sobre a classe trabalhadora viola outras cláusulas pétreas relacionadas aos princípios fundamentais da solidariedade (art. 3º da Constituição) e isonomia (art. 5º da Constituição).
Com a reforma, os trabalhadores é que, ao final, suportarão os custos do IVA-F, de ampla incidência sobre "operações com bens e prestações de serviços", que incidirá sobre tudo, diminuindo o poder de compra dos salários, e que, igualmente, será prejudicial ao setor produtivo, porque reduzirá as aquisições de produtos.
Desta forma, a proposta de criação do IVA-F vai, também, de encontro à crise financeira internacional, pois países como a Inglaterra estão adotando medidas para "reduzir impostos para a classe média e aumentar a carga sobre a elite e os lucros das empresas". Segundo declaração do Primeiro Ministro Gordon Brown, "essa será a receita do Governo britânico para salvar sua economia e o Natal" (TRIBUNA DA IMPRENSA, 25/11/2008, p.8).
Jorge Rubem Folena de Oliveira Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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